29 novembro 2005

Livro da Semana: O império do Medo

O autor Benjamin Barber traça neste livro, com maestria, o que é conhecido como a Doutrina Bush, que tem por pilar a guerra preventiva. Para quem se interessa por relações internacionais, é um excelente achado sobre a política externa norte-americana.
Melhor de tudo, é um trabalho sério. Jogue fora todos os livros que comprou daquele fanfarrão chamado Michael Moore, e compre este! Em posts anteriores eu já havia falado sobre Moore, que inclusive roubou o título de seu último filme de uma famosa obra de ficção (e quase foi processado por isso). Ou seja, além de distorcer fatos e inventar outros tantos, Moore não tem capacidade nem pra criar algo novo e interessante. Seus livros e documentários são lixo, embora possam ser engraçadinhos e, num primeiro momento, cativantes. Mas não podem ser levados a sério (palavra de quem estuda relações internacionais e política externa norte-americana já faz um ótimo tempo).
Por isso, este novo livro de Barber vem bem a calhar! É uma obra concisa, que torna-se interessante tanto para o público especializado como para o leigo, ávido apenas por um pouco mais de cultura e informação. O autor mostra como o 'medo' (no caso, o medo de novos ataques terroristas) é usado pelos políticos americanos para justificar o uso unilateral da força, ataques 'preventivos' e toda sorte de atitudes condenáveis que os Estados Unidos hoje usam, com a mentira de que buscam o alastramento da democracia pelo mundo. Diz o autor:
'Guerra preventiva e democracia são fundamentalmente incompatíveis. A primeira requer unilateralismo, força bruta e a disposição de combater o medo no seu próprio território. A segunda pede cooperação, respeito às leis e disposição de pagar o preço de ter de permanecer no campo da transparência e da franqueza. A democracia não precisa abandonar o recurso às armas, mas não pode tornar a força das armas o seu primeiro instrumento (...). O medo é o instrumento principal do terrorismo, seu único recurso e, a longo prazo, a democracia não pode ganhar a guerra contra o terrorismo se lutar no terreno dele'."

21 novembro 2005

"Os chineses leram Marx"

Artigo de Cláudio de Moura Castro, na revista Veja desta semana:

"O assunto do ensino pago é controvérsia velha e bolorenta. De fato, é mais velha do que parece. Vejam o que disse um grande filósofo-economista do século XIX: "Educação gratuita (...). O fato de que em muitos Estados sejam 'gratuitos' também os centros de ensino superior significa tão-somente que ali as classes altas pagam suas despesas de educação com fundos dos impostos gerais".
O detalhe valioso é que o economista citado se chama Karl Marx (Crítica ao Programa de Gotha). Como é possível que a esquerda brasileira, agora no poder e tão assídua em suas idéias, tenha ignorado justamente esta (data venia, o senador Suplicy, responsável pela exumação do trecho)?
Dados disponíveis mostram que desde os tempos de Marx os ricos continuam predominando na universidade pública. No Brasil, segundo o Ministério da Fazenda, os 20% mais ricos da população capturam 74% das vagas. Ou seja, os impostos pagos por todos financiam a educação dos mais ricos (custando, por aluno, dez vezes mais do que a educação básica). É a chamada regressividade dos gastos públicos.
Os europeus, tradicionalmente, não cobram ou cobram pouco dos seus alunos universitários. Mas são muito mais ricos, têm uma população universitária estável e oferecem múltiplas opções ao ensino tradicional de quatro ou cinco anos (mais da metade escolhe alternativas curtas). Mesmo assim, sem encontrar outras fontes de financiamento, o dinheiro não está dando para manter universidades ao nível das americanas. De fato, 400.000 pesquisadores europeus já fizeram as malas e foram para os Estados Unidos (The Economist). Diante disso, os europeus estão mudando de idéia sobre a cobrança aos alunos. Na Inglaterra, com as universidades mais bem-sucedidas da Europa, o pagamento já vem de mais tempo. Os alemães revogaram a lei que não permitia cobrar. A França reluta.
Nos Estados Unidos, onde estão localizadas dezessete das vinte melhores universidades do globo, todas as públicas (exceto as militares) cobram dos alunos. Mas raramente cobram os custos integrais, além de terem mecanismos de bolsas e créditos educativos, usados por metade dos alunos.
É óbvio que esses países não precisaram de Marx para justificar a cobrança. Mas, ao que parece, os comunistas chineses leram a Crítica ao Programa de Gotha, pois suas universidades são pagas (é curioso, apenas os cursos que preparam professores são gratuitos). Pragmáticos, os chineses notaram que os benefícios pessoais de uma educação superior são muito grandes, criando forte incentivo para que as pessoas invistam na própria formação. Com isso, economizam os recursos do Tesouro (24% dos orçamentos das universidades vêm das mensalidades).
Entre nós, há estatísticas seguras mostrando que diplomados do ensino superior ganham três vezes mais do que aqueles que têm apenas um diploma de nível médio. Sem conhecer as tabelas do IBGE, os brasileiros comuns perceberam a mesma coisa e gastam suas economias no ensino privado, que detém 70% das matrículas.
Seguramente, eles pagariam também o ensino público, onde está a maioria dos cursos de excelência. Portanto, a cobrança de anuidades – compatíveis com suas posses – permitiria aumentar substancialmente a receita das universidades públicas. Apenas para fixar idéias, se pagassem o mesmo que pagam os do ensino privado (cuja classe social é mais ou menos a mesma), aumentaria em até um terço o orçamento das públicas. Seriam varridas, de um só golpe, as crises financeiras que, segundo a esquerda, são a principal causa dos males das universidades (ou os recursos poderiam ser usados para ajudar os mais pobres). Os cursos fracos das públicas seriam abandonados pelos alunos, que optariam por cursos privados com uma melhor relação preço/qualidade. Mantendo-se os orçamentos do Tesouro, o alívio financeiro iria para a pesquisa. Como bônus, progrediria a justiça social, com os ricos pagando por um serviço que lhes traz benefícios pessoais.
A solução é simples, vamos todos ler Marx, pois ele sugere um conserto para nossa combalida universidade pública".
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Claudio de Moura Castro é economista
(claudiodmc@attglobal.net)

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P.S. Outra medida que, na minha opinião, faria o maior sentido, seria obrigar aqueles que tenham tido um ensino pago pela sociedade a trabalhar, por determinado período de tempo, de forma gratuita, dando a sociedade de volta aquilo que ela investiu na educação deste profissional.

16 novembro 2005

Afirmo (ou "J'accuse" dos tempos modernos)

Artigo de Roberto Magabeira Unger, na Folha de S. Paulo de ontem:
Pôr fim ao governo Lula

"Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos.
Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente. As provas acumuladas de seu envolvimento em crimes de responsabilidade podem ainda não bastar para assegurar sua condenação em juízo. Já são, porém, mais do que suficientes para atender ao critério constitucional do impedimento. Desde o primeiro dia de seu mandato o presidente desrespeitou as instituições republicanas. Imiscuiu-se, e deixou que seus mais próximos se imiscuíssem, em disputas e negócios privados. E comandou, com um olho fechado e outro aberto, um aparato político que trocou dinheiro por poder e poder por dinheiro e que depois tentou comprar, com a liberação de recursos orçamentários, apoio para interromper a investigação de seus abusos.
Afirmo que a aproximação do fim de seu mandato não é motivo para deixar de declarar o impedimento do presidente, dados a gravidade dos crimes de responsabilidade que ele cometeu e o perigo de que a repetição desses crimes contamine a eleição vindoura. Quem diz que só aos eleitores cabe julgar não compreende as premissas do presidencialismo e não leva a Constituição a sério.
Afirmo que descumpririam seu juramento constitucional e demonstrariam deslealdade para com a República os mandatários que, em nome de lealdade ao presidente, deixassem de exigir seu impedimento. No regime republicano a lealdade às leis se sobrepõe à lealdade aos homens.
Afirmo que o governo Lula fraudou a vontade dos brasileiros ao radicalizar o projeto que foi eleito para substituir, ameaçando a democracia com o veneno do cinismo. Ao transformar o Brasil no país continental em desenvolvimento que menos cresce, esse projeto impôs mediocridade aos que querem pujança.
Afirmo que o presidente, avesso ao trabalho e ao estudo, desatento aos negócios do Estado, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua própria ignorância, mostrou-se inapto para o cargo sagrado que o povo brasileiro lhe confiou.Afirmo que a oposição praticada pelo PSDB é impostura. Acumpliciados nos mesmos crimes e aderentes ao mesmo projeto, o PT e o PSDB são hoje as duas cabeças do mesmo monstro que sufoca o Brasil. As duas cabeças precisam ser esmagadas juntas.
Afirmo que as bases sociais do governo Lula são os rentistas, a quem se transferem os recursos pilhados do trabalho e da produção, e os desesperados, de quem se aproveitam, cruelmente, a subjugação econômica e a desinformação política. E que seu inimigo principal são as classes médias, de cuja capacidade para esclarecer a massa popular depende, mais do que nunca, o futuro da República.
Afirmo que a repetição perseverante dessas verdades em todo o país acabará por acender, nos corações dos brasileiros, uma chama que reduzirá a cinzas um sistema que hoje se julga intocável e perpétuo.Afirmo que, nesse 15 de novembro, o dever de todos os cidadãos é negar o direito de presidir as comemorações da proclamação da República aos que corromperam e esvaziaram as instituições republicanas".

10 novembro 2005

Watergate, Garganta Profunda, Dinheiro e CPIs

Comentário da cientista política Lucia Hippolito na CBN:

" 'Follow the money', 'Siga o dinheiro', é uma das frases mais repetidas e mais festejadas do jornalismo investigativo dos últimos 30 anos.
Foi a sugestão do famoso 'Garganta Profunda', o agente do FBI americano que se tornou a principal fonte de uma das mais importantes investigações políticas dos tempos modernos, o hoje clássico escândalo Watergate, que terminou com a renúncia do presidente Richard Nixon, para escapar de um processo de impeachment pelo Congresso americano.
Nixon sofreria o impeachment porque mentiu ao povo americano, ao afirmar publicamente que não sabia de nada do que os membros do seu partido e do seu governo fizeram contra a lei. Mentiu ao povo americano quando grampeou conversas da oposição sem autorização da justiça e, quando confrontado com o fato, mentiu de novo.
Mentiu também sobre as relações mais do que delicadas entre altos funcionários de seu governo e práticas econômico-financeiras prá lá de esquisitas.
Finalmente, Nixon caiu porque não entendeu a diferença entre público e privado, porque aparelhou a Casa Branca e o governo americano com jovens militantes do Partido Republicano, doidos para implantar na administração pública americana uma tal de 'economia de mercado'. Os waldomiros da década de 70 nos Estados Unidos.
Não foi só Watergate que derrubou o presidente do país mais poderoso do mundo. A captura da administração pública dos Estados Unidos por um grupo do Partido Republicano, interessadíssimo em fazer negócios, foi parte importante do caminho que levou à desgraça de Richard Nixon.
O mais curioso é que o escândalo Watergate não foi suficiente para impedir que Ricard Nixon fosse reeleito. Reeleito foi, mas não conseguiu governar, vergado sob o peso das gravíssimas denúncias que se confirmavam, dia após dia. Reeleito em novembro de 1972, Richard Nixon renunciou em agosto de 1974.
Já no Brasil, nesta semana, a CPI dos Correios está começando a chegar à ponta do fio da meada da corrupção no governo e nos partidos aliados, ao aparelhamento do Estado, à compra do apoio de bancadas para os projetos do governo.
Enquanto isso, membros da CPI têm seus telefones grampeados e suas vidas vasculhadas, Deus-sabe-lá-por-quem.
Tudo isto porque as investigações na imprensa, na Polícia Federal, no Ministério Público, ou nas várias CPIs, decidiram adotar o conselho de Garganta Profunda: 'Siga o dinheiro'."
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P.S. Para quem se interessar pelo assunto, há ótimas oportunidades: uma delas é o filme "Todos os homens do presidente", com Dustin Hoffman e Robert Redford, um verdadeiro clássico e que mostra o famoso episódio do Watergate. Há, também, o livro "O homem secreto", de Bob Woodward, que foi o repórter do Washington Post que, com a ajuda do Garganta Profunda e de seu colega Carl Bernstein, desvendou o episódio que culminou com a queda de Nixon. Mais ainda, tem o filme "Nixon", com Anthony Hopkins (pra mostrar que também grandes atores fazem grandes filmes, e não só aquelas porcarias cheias de explosões e tiros).
Ah, por fim, cabe ressaltar que neste ano de 2005, o Garganta Profunda revelou sua identidade: trata-se de um ex-agente do FBI, Mark Felt, que até então havia guardado segredo sobre sua identidade (a reportagem pode ser encontrada no site da revista Vanity Fair). Era isso.

08 novembro 2005

Lula no Roda Viva

Comentários da cientista política Lucia Hippolito na CBN:

“Ontem, o presidente Lula concedeu a segunda entrevista coletiva em três anos de governo. Foi para comemorar a milésima edição do Programa Roda Viva, da TV Cultura.

Do ponto de vista do presidente da República, que se recusa a dar uma entrevista ampla, aberta a vários órgãos de imprensa, com direito a réplicas dos jornalistas, foi uma vitória.

Os entrevistadores são todos jornalistas experientes, mas só dois, além do apresentador, estão atualmente na ativa: Augusto Nunes e Heródoto Barbeiro, talvez por isso mesmo os mais incisivos.

O fato de a entrevista ter sido realizada no Palácio do Planalto também deu alguma segurança ao presidente. Ainda por cima, a entrevista foi gravada. Ou seja, ambiente conhecido, jornalistas experientes, mas compreensivelmente intimidados, a previsível reverência à figura do presidente da República.

Tudo isto parece ter dado ao presidente Lula a esperança de enfrentar bem as perguntas delicadas sobre a crise política, relações de seu filho com empresas concessionárias de serviço público, corrupção em seu governo e seu partido, utilização de caixa dois na eleição, CPIs, cassação de José Dirceu.

Em suma, o cardápio da crise política que sangra o PT e o governo Lula há mais de cinco meses.

A entrevista valeu mais pelas perguntas do que pelas respostas. Isto porque a maioria dos entrevistadores não hesitou em abordar os temas mais delicados com o presidente.

Mas as respostas de Lula deixaram muito a desejar, e não parecem ter convencido os entrevistadores. Lula não acredita na história dos dólares cubanos, não considera delicada a situação de seu filho, que se associou a uma concessionária de serviços públicos.

Lula considera inaceitável a prática de caixa dois, mas Delúbio era o responsável. Ele, presidente, não sabia de nada.

O presidente não acredita na existência do mensalão. Mas também não acredita na absolvição de José Dirceu.
Afirmou várias vezes que pode não ser candidato à reeleição, ele que sempre foi contra o instrumento, ele e o PT. Mas que, se decidir se candidatar, a oposição terá que engoli-lo.

O presidente irritou-se com perguntas sobre corrupção em seu governo e em seu partido, elevou a voz, mas não convenceu. Foi inseguro, negou a existência de repasse de verbas para partidos aliados, coisa que até Delúbio Soares já reconheceu que existiu.

Mas na média, Lula não se saiu mal. Os temas são mesmo delicados, e as investigações das CPIs estão só começando a puxar o fio da meada da corrupção na máquina pública brasileira.

E o presidente, que alega não saber de nada, tendo que responder a isso tudo.

Infelizmente, em matéria de entrevista e de explicação à sociedade brasileira, o presidente Lula continua devendo.”

01 novembro 2005

Sobre livros

De Moacyr Scliar:

Livro versus computador

"Recentemente passei por uma experiência para mim tão rara quanto difícil. Eu precisava fazer a resenha de um livro. Nenhum problema nisso; tenho feito muitas dessas resenhas. Acontece, porém, que se tratava de uma tarefa urgente e para ganhar tempo o pessoal da editora mandou-me o texto por e-mail.
Ora, ler por e-mail é, convenhamos, algo no mínimo cansativo. Quando é uma mensagem, uma notícia, um artigo não muito longo, tudo bem. Mas cento e tantas páginas é dose. Para começar, a leitura não se faz da esquerda para a direita, como é hábito na cultura ocidental, mas sim de cima para baixo. Não há páginas; há uma seqüência contínua, que deve ser desenrolada. Vocês vão me dizer que antigamente os textos também vinham em rolos (de pergaminho), e é verdade, mas foi exatamente por isso que surgiu o livro.
Que é, antes de mais nada, um objeto prático. Tanto que conserva praticamente a mesma forma desde que Gutenberg inventou a prensa com tipos móveis no século 15. O livro, ao contrário do computador (e não me venham com o exemplo do laptop) é um objeto portátil. Pode ser levado para a poltrona, para a cama, para o banheiro. O livro não precisa eletricidade nem baterias. O livro não tem motor com barulhinho chato. O livro não produz aquela pálida luminosidade que acaba cansando os olhos. O livro é quieto; fica na prateleira, à nossa espera, pelo tempo que quisermos. O livro está sempre à nossa disposição, sem ser necessário ligá-lo.
O livro permite anotações. O texto computadorizado também, argumentarão vocês. Verdade, mas as anotações que fazemos em livros têm a nossa caligrafia, refletem melhor a nossa emoção. Uma das coisas que me agradam nos livros usados é exatamente isso, as anotações de seus antigos donos, às vezes feitas em priscas eras e que representam uma espécie de comunicação própria da irmandade de leitores.
Claro, o livro tem seus problemas. As páginas ficam amarelas pelo tempo (nós também). Os livros atraem traças, esses intelectuais insetos. E os livros ocupam espaço, coisa escassa nos pequenos apartamentos de hoje. Em muitos casos, enciclopédias por exemplo, o texto computadorizado já se impôs. Mas no que se refere à ficção, à poesia e a outros gêneros, não é uma coisa ainda decidida. Os amantes do livro podem ser passadistas, mas são fiéis. A Feira do Livro que o diga."