08 novembro 2005

Lula no Roda Viva

Comentários da cientista política Lucia Hippolito na CBN:

“Ontem, o presidente Lula concedeu a segunda entrevista coletiva em três anos de governo. Foi para comemorar a milésima edição do Programa Roda Viva, da TV Cultura.

Do ponto de vista do presidente da República, que se recusa a dar uma entrevista ampla, aberta a vários órgãos de imprensa, com direito a réplicas dos jornalistas, foi uma vitória.

Os entrevistadores são todos jornalistas experientes, mas só dois, além do apresentador, estão atualmente na ativa: Augusto Nunes e Heródoto Barbeiro, talvez por isso mesmo os mais incisivos.

O fato de a entrevista ter sido realizada no Palácio do Planalto também deu alguma segurança ao presidente. Ainda por cima, a entrevista foi gravada. Ou seja, ambiente conhecido, jornalistas experientes, mas compreensivelmente intimidados, a previsível reverência à figura do presidente da República.

Tudo isto parece ter dado ao presidente Lula a esperança de enfrentar bem as perguntas delicadas sobre a crise política, relações de seu filho com empresas concessionárias de serviço público, corrupção em seu governo e seu partido, utilização de caixa dois na eleição, CPIs, cassação de José Dirceu.

Em suma, o cardápio da crise política que sangra o PT e o governo Lula há mais de cinco meses.

A entrevista valeu mais pelas perguntas do que pelas respostas. Isto porque a maioria dos entrevistadores não hesitou em abordar os temas mais delicados com o presidente.

Mas as respostas de Lula deixaram muito a desejar, e não parecem ter convencido os entrevistadores. Lula não acredita na história dos dólares cubanos, não considera delicada a situação de seu filho, que se associou a uma concessionária de serviços públicos.

Lula considera inaceitável a prática de caixa dois, mas Delúbio era o responsável. Ele, presidente, não sabia de nada.

O presidente não acredita na existência do mensalão. Mas também não acredita na absolvição de José Dirceu.
Afirmou várias vezes que pode não ser candidato à reeleição, ele que sempre foi contra o instrumento, ele e o PT. Mas que, se decidir se candidatar, a oposição terá que engoli-lo.

O presidente irritou-se com perguntas sobre corrupção em seu governo e em seu partido, elevou a voz, mas não convenceu. Foi inseguro, negou a existência de repasse de verbas para partidos aliados, coisa que até Delúbio Soares já reconheceu que existiu.

Mas na média, Lula não se saiu mal. Os temas são mesmo delicados, e as investigações das CPIs estão só começando a puxar o fio da meada da corrupção na máquina pública brasileira.

E o presidente, que alega não saber de nada, tendo que responder a isso tudo.

Infelizmente, em matéria de entrevista e de explicação à sociedade brasileira, o presidente Lula continua devendo.”