07 agosto 2006

Não se exima...

A organização Transparência Brasil criou uma página na internet, chamada Excelências, na qual se pode consultar informações as mais diversas sobre candidatos do país inteiro. Em ano de eleição, e principalmente após a constatação - posta em nossas caras pelos escândalos do mensalão, sanguessugas e congêneres - de que estamos votando cada dia pior, vale a pena consultar a página. O endereço é http://perfil.transparencia.org.br, e você pode acessar clicando no título deste post.
E depois não diga que não foi avisado sobre quem realmente era aquele senhor ou senhora para quem você deu seu voto. Somos todos culpados pela lama em que nosso país chafurda!

25 julho 2006

Por que o Líbano?

Estandarte da tolerância religiosa, Beirute renascia de uma guerra interminável e irradiava auto-estima para o país

ALFREDO COTAIT NETO

Há pouco mais de um mês estávamos no Líbano. Mais um grupo de brasileiros usufruía maravilhado do melhor que a terra tem a oferecer: hospitalidade sem igual, delícias culinárias, luxuosa e animada vida social, belezas naturais, riqueza arqueológica. Na bagagem de volta, uma verdadeira lição de vida. Uma década antes, e lá não havia pedra sobre pedra. O país saía de uma interminável guerra dos outros empreendida em seu próprio quintal. Porém, das ruínas a cidade pouco a pouco renascia. Do centro recuperado de Beirute irradiava-se a reconstrução de todo o país e de sua auto-estima. Seu primeiro-ministro empreendedor personificava a monumental iniciativa. Rafik Hariri entrou para a posteridade como grande realizador, estadista, filantropo. Para isso, saiu da vida. Outra vez por obra de interesses alheios. Os primeiros dias do verão libanês traziam bons presságios neste ano. Esperava-se nada menos que 1,6 milhão de turistas que lotariam hotéis, cafés e restaurantes, caminhariam em absoluta segurança dia ou noite pelos calçadões do Solidere. Anunciava-se um grande espetáculo da lendária Feyrouz em comemoração ao cinqüentenário do não menos emblemático Festival de Baalbeck. Não haveria de ser. Único Estado laico do Oriente Médio, o Líbano é, por definição, estandarte do convívio harmonioso de diferentes confissões, das dezenas que lá existem. Eis um lugar em que intolerância religiosa não passa de falácia, mesmo assim caluniosamente apontada como gênese de todos os males. Difícil imaginar a placidez das encostas do Monte Líbano perturbada por explosões, pelo zunir dos artefatos de morte. Num passe maquiavélico, lá se foram as tardes interminavelmente bucólicas dos pastores e seus rebanhos. Lá se foram as reuniões na varanda da casa de pedra, em pleno vale do Bekaa, onde vivem cerca de 70 mil brasileiros. Lá se foi o agito cosmopolita e sofisticado da capital. Lá se foram os turistas. Lá se foi o verão. Muitos verões, talvez. Expoente acadêmico do Oriente, o Líbano é bastião da francofonia pós-imperial. O amor pela França só encontra rival no Brasil que ajudou a construir. E assim torceu por nós e contra seu histórico protetor na final da Copa de 98, fato repetido há poucas semanas. Num passe apocalíptico, as cores brasileiras que até há pouco decoravam incontáveis casas e prédios desse pitoresco país-fazenda hoje não passam de fragmentos chamuscados e perdidos nos escombros do que um dia foram vidas e sonhos. Invasões, incêndios, terremotos. Beirute foi destruída e reconstruída à média de uma vez por século. Um pingado de anos desta vez. Como atravessar de novo os espinhos dessa estrada? Embora a autodeterminação do povo seja férrea e dispense novas comprovações, a conta será enorme. O caminho promete ser árduo e longo. Mal alçávamos vôo. Em cinco anos de trabalho, a Câmara de Comércio Brasil-Líbano testemunhou a gradual retomada do País dos Cedros, desde as cinzas, de volta à Suíça do Oriente de outrora. Na última visita, em maio, os resultados não deixaram dúvidas. Milhões em negócios compromissados, outras tantas perspectivas e mais brasileiros encantados com o lugar. Jamais imaginaríamos o que estava por vir. Do outro lado do mundo sem fronteiras, longe só estão as respostas às perguntas que nos tiram o sono. A tragédia é tão deles quanto nossa, do mundo inteiro. Tudo o que sabemos é a necessidade de encher os pulmões, fazer algo. É preciso fazer com que cessem imediatamente os ataques ao Líbano. Urge prestar assistência humanitária e impedir uma calamidade ainda maior. Alguém enfim haverá de ouvir, largar a mera retórica e partir misericordiosamente em socorro desse pequenino país que, de tão belo e intenso, João Paulo II um dia batizou como "país-mensagem". Ironia das ironias, é nos consolados que encontramos nós próprios consolo. Em meio ao caos, a população do Líbano ainda encontra forças para confortar o primo distante ao dizer: "reconstruiremos tudo outra vez".

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ALFREDO COTAIT NETO , 59, empresário, é presidente da Câmara de Comércio Brasil-Líbano e vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

13 junho 2006

De quem será o século 21?

Por Immanuel Wallerstein:
"Henry Luce, em 1941, declarou que o século 20 era o século dos Estados Unidos. E a maioria dos analistas, desde então, concordou com ele. É claro que o século 20 foi mais do que apenas o século americano. Foi o século da descolonização da Ásia e da África. Foi o século do florescimento tanto do fascismo quanto do comunismo, como movimentos políticos. E foi o século tanto da Grande Depressão quanto da inacreditável e inusitada expansão da economia mundial nos 25 anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial. Mas ele foi o século dos EUA, não obstante. Os Estados Unidos se tornaram a potência hegemônica inconteste no período de 1945 a 1970 e moldaram um sistema mundial de acordo com sua própria visão. Os Estados Unidos se tornaram o maior produtor econômico mundial, a força política dominante e o centro cultural do sistema mundial. Em suma, os Estados Unidos dirigiram o espetáculo mundial, pelo menos por algum tempo. Hoje os EUA se encontram em declínio visível. Cada vez mais analistas se dispõem a declarar isso abertamente, mesmo que a linha oficial do establishment americano seja negá-lo com vigor, assim como certa parte da esquerda mundial insiste em afirmar a hegemonia americana contínua. Mas realistas de mente clara de todas as vertentes reconhecem que a estrela dos EUA está perdendo seu brilho.
A pergunta que percorre todo o trabalho sério de traçar prognósticos para o mundo é, portanto, de quem será o século 21? É claro que ainda estamos apenas em 2006, e é um pouco cedo para responder a essa pergunta com qualquer grau de certeza. Apesar disso, líderes políticos de todas as partes vêm lançando suas apostas e moldando suas políticas segundo essas apostas. Se reformularmos a pergunta, indagando apenas qual poderá ser a cara do mundo em 2025, por exemplo, talvez possamos ao menos dizer alguma coisa inteligente. Existem basicamente três conjuntos de respostas à pergunta de qual será a cara do mundo em 2025. A primeira é que os EUA vão desfrutar uma última fase de domínio, uma retomada de seu poder, e, na ausência de qualquer adversário militar sério, continuarão a mandar no mundo. A segunda diz que a China tomará o lugar dos EUA como superpotência mundial. A terceira reza que o mundo se tornará uma arena de desordem multipolar anárquica e relativamente imprevisível.
Examinemos a plausibilidade das três previsões. Improvável: Os EUA por cima? Existem três razões para se duvidar disso. A primeira delas, de natureza econômica, é a fragilidade do dólar americano como única moeda forte de reserva na economia mundial. Hoje o dólar é sustentado por infusões maciças de compras de títulos por parte do Japão, da China, Coréia e outros países. É extremamente improvável que isso continue. Quando o dólar tiver uma queda dramática, ele pode provocar um aumento momentâneo na venda de bens manufaturados, mas os EUA vão perder a posição de comando sobre a riqueza mundial e a capacidade de ampliar seu déficit sem sofrer penalidades sérias e imediatas. O padrão de vida americano vai cair, e haverá um influxo de novas moedas fortes de reserva, incluindo o euro e o iene. A segunda razão é militar. Tanto o Afeganistão quanto, em especial, o Iraque vêm demonstrando recentemente que não basta possuir aviões, navios e bombas. Um país precisa também dispor de uma grande força terrestre para superar resistências locais. Os EUA não dispõem de tal força e não vão dispor, por razões políticas internas. Logo, o país está fadado a perder guerras desse tipo. A terceira razão é de natureza política. Países em todo o mundo estão concluindo, pela lógica, que já podem desafiar os Estados Unidos politicamente. Vejamos a instância mais recente disso: a Organização de Cooperação de Xangai, que reúne a Rússia, China e quatro repúblicas centro-asiáticas, está prestes a se ampliar para incluir a Índia, o Paquistão, a Mongólia e o Irã. O Irã foi convidado no exato momento em que os EUA tentam organizar uma campanha mundial contra seu regime. O "Boston Globe" descreveu o que está ocorrendo como "aliança anti-Bush" e "um deslocamento tectônico em termos geopolíticos".
Será, então, que a China vai emergir no topo até 2025? É verdade que a China vem se saindo muito bem economicamente, vem ampliando consideravelmente sua força militar e está até mesmo começando a exercer um papel político sério em regiões distantes de suas fronteiras. Não há dúvida de que a China estará muito mais forte em 2025 do que está hoje -mas o país enfrenta três problemas que terá que superar. O primeiro problema é interno. A China não está politicamente estabilizada. A estrutura unipartidária tem a força do sucesso econômico e do sentimento nacionalista a seu favor. Mas ela enfrenta a insatisfação de cerca de metade da população, que não conseguiu subir no bonde econômico, e a insatisfação da outra metade diante das restrições impostas a sua liberdade política interna. O segundo problema da China diz respeito à economia mundial. O crescimento incrível do consumo na China (lado a lado com o da Índia) vai cobrar seu preço tanto do meio ambiente mundial quanto das possibilidades de acúmulo de capital. Um excesso de consumidores e de produtores terá repercussões graves sobre os níveis de lucro mundiais. UniãoO terceiro problema está nos países vizinhos da China. Se a China levasse a cabo a reintegração de Taiwan, ajudasse a promover a reunificação das duas Coréias e chegasse (psicológico e politicamente) a um acordo com o Japão, poderia surgir uma estrutura geopolítica unificada asiática que seria capaz de assumir uma posição hegemônica no mundo. Esses três problemas podem ser superados, mas não será fácil. E as chances de que a China consiga superar essas dificuldades até 2025 são incertas.
O último cenário é o da anarquia multipolar e das flutuações econômicas imprevisíveis. Em vista da incapacidade de se conservar em poder hegemônico antigo, da dificuldade em se estabelecer um novo e da crise no acúmulo mundial de capital, esse terceiro cenário parece ser o mais provável."
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IMMANUEL WALLERSTEIN, pesquisador sênior na Universidade Yale, é autor de "O Declínio do Poder Americano" (Ed. Contraponto).
Tradução de CLARA ALLAIN

06 junho 2006

Mãe Diná - Parte II

Já havia feito previsão sobre a Copa do Mundo que se inicia esta semana. Faço agora outra: o Brasil, ao contrário de todas as previsões, não será campeão! Digo mais: não será campeão porque dois jogadores “entregarão”: Lúcio e Dida! Se não for um, será o outro; arrisco dizer que serão os dois! Lúcio não tem a mínima condição de jogar em nenhuma das seleções que participam da Copa. E Dida, infelizmente, só sabe jogar plantado em cima da risca do gol; se precisar dar dois passos à frente, é desastre na certa!
Anotem aí! E depois venham me parabenizar pela profecia!!

Ai, que saudades do comunismo

Texto do Arnaldo Jabor, publicado em 2004, que achei há pouco em meus arquivos:
"Ai, que saudades do comunismo... Esse surto de leninismo que incendiou a alma simples dos petistas ultimamente, esse ataque recente à “democracia burguesa” que o governo de Lula lançou contra a sociedade, a fome dos “soviéticos” de Gil, embuçados e severos contra o cinema e a TV, o putsch rápido e eficaz de José Mentor, lugar-tenente de Dirceu, que agora tem montado um arquivo de inimigos do regime, o gesto comovente de jornalistas da Fenaj de oferecer a própria cabeça numa bandeja para guilhotina da liberdade, o desejo de calar o Ministério Público para ele não atrapalhar as táticas do poder, também a idéia perfeita de lotear todos os cargos públicos com quadros do PT, pois eles são os peões da revolução, para que não façam mais o que faziam nos outros governos, isto é, enfiar narizes em arquivos, alcagüetar colegas, denunciar mamatinhas para o PT atacar FH, tudo isso, “gentem”, tudo isso, ao contrário do que sentem esses jornalistas neoliberais que denunciam os truques do governo Lula, tudo isso despertou secretamente em meu coração uma profunda saudade do comunismo.... Ah, como era bom o nosso comunismo...
Como um “Amarcord” vermelho, eu me lembro dos anos 60, durante a Guerra Fria... Ah, como era bom se sentir acima dos outros, não por competência ou cultura, mas por superioridade ética. Nós éramos mais “puros”, mais poéticos, mais heróicos que os meus colegas de PUC, todos já de gravatinhas adultas.
Eu, não. Eu era comunista. Andava mal vestido, com minha testa alta, barba leninista, assim feito o Genoino (Genoino, mesmo de frente, está sempre de perfil, aspirando a ser medalha), esse doce Genoino que disse que “esse negócio de cinema livre é pra privilegiados”. Eu era comuna assim como o Luís Gushiken (ele é a cara do Ho Chi Minh), que, depois de aparelhar os fundos de pensão e bancos, declarou com charme leninista que “liberdade não é absoluta”, lembrando-me (ohhh delícia!) do tempo bom em que eu citava Lenin em francês: “La Liberté, pour quoi faire?” (“Liberdade, pra quê?”).
Ahhh... eu me lembro de como era bom ser superior a um mundo povoado de “burgueses, caretas e babacas”, como eu classificava a Humanidade. E todo esse charme vinha sem esforço, sem estudar nada, bastava ler um ou outro livrinho da Academia da URSS, decorar meia dúzia de slogans e pronto, eu podia andar com minha camisa de marinheiro aberta ao vento e “vogar” por Copacabana, olhando em volta a população de “alienados”, trabalhando em suas vidas medíocres, enquanto meu mundo era mais além.
Ahhh... que saudades das sacanagens de esquerda, quando eu cantava as gatinhas (várias que o José Dirceu comeu, magrinho, belo e radical), meninas sem a maquiagem burguesa, a quem eu lançava a cantada infalível: “Não seja ‘pequeno-burguesa’ e entra aí no ‘aparelho’, meu bem...” Lembro também da noite mágica em que declarei no terraço da UNE a uma namorada que “nosso amor também era uma forma de luta contra o imperialismo”.
Ahhh.... como eu amava os operários, futuro da Humanidade. Nas oficinas do jornal comuna que eu fazia, crivava-os de perguntas e agrados, sendo que os ditos operários ficavam desconfiados e pensavam que eu era veado e não um fervoroso comunista...
Como me alegrei quando Mao Tse-tung proibiu Beethoven na Revolução Cultural, pensando: “Claro, temos de raspar tudo que a burguesia inventou e começar de novo”, um mundo novo feito de agricultura e homens fardados de cinza, rindo felizes, oligofrênicos unidos pelo bem...
Ahhh... como era bom ignorar as neuroses pequeno-burguesas de minha mente, pois eu não era um deprimido nem narcisista nem nada; eu era apenas um comunista saudável como um cartaz de balé chinês. Amava as reuniões secretas, muito cigarro e a sensação de viver uma missão profunda. As discussões sem fim: “questão de ordem, companheiro!”, “o companheiro está numa posição revisionista” ou “a companheira está sendo reacionária em não querer dar para mim”.
E a beleza de não ter um tostão e pedir dinheiro à mãe ou roubar do paletó do pai... ( milico reaça) para comprar Marlboro de contrabando (meu secreto pecado), não ter um puto e se orgulhar disso, na convivência dos botequins, olhando os operários bêbedos e pensar, no cafezinho: “Um dia eles serão ‘homens totais’, ‘sujeitos da História’”, enquanto os mendigos vomitavam no meio-fio, gente que eu chamava com desprezo culto de “lumpens”.
Que saudades... Tudo era possível — bastava convencer o proletariado que os burgueses malvados, aliados ao latifúndio improdutivo e dominados pelo imperialismo americano, eram a causa de seus males, pois aí os proletários conscientizados tomariam o poder, organizados por nós, e tudo seria perfeito e bom. Por isso, eu tenho hoje tanta saudade do simplismo e da generosa burrice que nos assolava.
E depois, quando a barra pesou de 68 em diante, não mais a suave ditadura de Castelo Branco nem o rosto boçal de Costa e Silva, mas a dura frieza da Era Médici? Quanto me lembro do sentimento de ser uma “vítima” real da ditadura, fugindo da morte, ajudando os reais suicidas que faziam a guerra urbana, achando que iam derrotar o Exército com meia dúzia de revólveres e assaltos a banco? Ahh... mesmo na tragédia daqueles dias, senti a delícia meio religiosa de ser uma vítima “santificada” da violência da direita, e isso me enobrecia, acima sempre dos “babacas, burgueses e caretas”. Muitos morreram.
Um dia, um companheiro me disse: “Não tema a morte. Marx disse que somos seres sociais. Assim, o individuo é uma ilusão. Para o comunista a morte não existe.” E eu sonhei docemente com a vida eterna.
Era bom... era lindo... Por isso, quando vejo o comissário da Casa Civil, Dirceu, comandando essa volta ao passado, esta retomada do bolchevismo no governo PT, não me horrorizo, nem denuncio, nem reclamo, como fazem esses jornalistas burgueses neoliberais vendidos aos patrões. Ao contrário, tenho vontade de chorar..."

05 maio 2006

Esquerdização?

Clóvis Rossi, na Folha de hoje:
De direitos e respostas
"Depois de alguns brucutus que ocuparam a subsecretaria de Estado para assuntos hemisféricos (na prática, as relações com a América Latina), o novo titular, Thomas Shannon, parece ter uma boa compreensão do que se passa no antigo (ou ainda?) quintal dos EUA.
Em vez de ver uma "onda esquerdista", que provoca urticária em tantas epidermes brasileiras e latino-americanas, Shannon diz, conforme relato do correspondente Sérgio Dávila na Folha de ontem, que foi a falta de resposta aos direitos da população a responsável pelo "surgimento de um novo populismo, especialmente na zona andina".
Ainda acrescentou, também corretamente, que, ao contrário do populismo do passado, a nova safra "leva consigo um certo nível de ressentimento social, o que é preocupante".Por partes, o que Shannon está dizendo é:
1 - Foi o fracasso das políticas ditas neoliberais ou propiciadas pelo Consenso de Washington o responsável pela ascensão de todos os governantes, digamos heterodoxos, que pipocaram na América Latina nos últimos anos.
Assim como o sentimento da maioria do eleitorado de que FHC fracassara ou desencantara fabricou Lula, o fracasso dos partidos venezuelanos tradicionais fabricou Chávez. A listagem poderia prosseguir ao infinito.
Não é, portanto, que o tal de povo latino-americano tenha virado da noite para o dia comunista, marxista, socialista, populista ou que "ista" você preferir. Não. Faltou "resposta aos direitos da população", na interpretação de Shannon, que pode ser tudo, mas de esquerda com certeza não é.
2 - Conseqüência natural da falta de respostas: ressentimento. Preocupante, como diz Shannon, mas explicável. Evo Morales e Hugo Chávez buscam respostas de uma forma, Lula, de outra, Kirchner, de outra. Preocupante mesmo será se caminhos diferentes derem em nada, como no passado recente e não tão recente."

Hora de despertar

Editorial da Folha de S. Paulo de hoje:
"Está em ruínas o projeto regional, centrado na Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), que foi a vedete da diplomacia de Luiz Inácio Lula da Silva para o subcontinente. O episódio Evo Morales, que inevitavelmente deixará seqüelas no relacionamento de Brasil e Bolívia, é apenas o ruído mais recente a contribuir para a cacofonia política vigente neste canto do planeta.
Lula, passada a fase ingênua da "liderança natural" brasileira na América do Sul, agora mais parece um apagado coadjuvante de Hugo Chávez. Mas a liderança do venezuelano é divisora; para cada amigo que faz, brota um inimigo. Acaba de retirar seu embaixador do Peru. Desta feita o mentor do "bolivarianismo" entrou em atrito ruidoso com o presidente peruano, Alejandro Toledo, e o candidato a sucedê-lo Alan García.
Chávez divide a Comunidade Andina, promove o Grande Gasoduto do Sul e o papel do venezuelano como incentivador da nacionalização assinada por Morales, contra o interesse brasileiro, está por ser contado.
Não cabe ao chefe de Estado brasileiro emprestar credibilidade a tais encenações diplomáticas. O país mais populoso e industrializado da América do Sul não pode se dar ao luxo de -acalantado pelo "flash-back" terceiro-mundista que assombra o Itamaraty- perder de vista as suas prioridades regionais.
O Mercosul está em frangalhos. Não bastasse o status especial dos argentinos para romper princípios do bloco, Washington, pragmática, agora oferece vantagens comerciais que estão arrancando o Uruguai e o Paraguai do projeto, enquanto Lula sonha com o encontro místico de Bolívar e JK. O Brasil é incapaz de encaminhar a resolução de um problema de fronteira entre Argentina e Uruguai sobre a instalação de fábricas de celulose. O Itamaraty não responde ao interesse crescente de empresários brasileiros de abrir mercado em nações desenvolvidas.
Passa da hora de Brasília despertar. Fará bem o Itamaraty se retomar a sua melhor tradição de pragmatismo, incentivando a sobreposição entre os interesses comerciais das empresas do país e as posições da política externa. Cumpre voltar ao básico no Mercosul: reconstruir as pontes dinamitadas do livre comércio no bloco e deixar de lado o projeto de união aduaneira (em que o grupo se comporta como uma só nação a fim de negociar com terceiros). É tempo também de ultrapassar os preconceitos ideológicos contra a Alca e o acordo com a União Européia e acelerar esses dois processos."