13 junho 2006

De quem será o século 21?

Por Immanuel Wallerstein:
"Henry Luce, em 1941, declarou que o século 20 era o século dos Estados Unidos. E a maioria dos analistas, desde então, concordou com ele. É claro que o século 20 foi mais do que apenas o século americano. Foi o século da descolonização da Ásia e da África. Foi o século do florescimento tanto do fascismo quanto do comunismo, como movimentos políticos. E foi o século tanto da Grande Depressão quanto da inacreditável e inusitada expansão da economia mundial nos 25 anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial. Mas ele foi o século dos EUA, não obstante. Os Estados Unidos se tornaram a potência hegemônica inconteste no período de 1945 a 1970 e moldaram um sistema mundial de acordo com sua própria visão. Os Estados Unidos se tornaram o maior produtor econômico mundial, a força política dominante e o centro cultural do sistema mundial. Em suma, os Estados Unidos dirigiram o espetáculo mundial, pelo menos por algum tempo. Hoje os EUA se encontram em declínio visível. Cada vez mais analistas se dispõem a declarar isso abertamente, mesmo que a linha oficial do establishment americano seja negá-lo com vigor, assim como certa parte da esquerda mundial insiste em afirmar a hegemonia americana contínua. Mas realistas de mente clara de todas as vertentes reconhecem que a estrela dos EUA está perdendo seu brilho.
A pergunta que percorre todo o trabalho sério de traçar prognósticos para o mundo é, portanto, de quem será o século 21? É claro que ainda estamos apenas em 2006, e é um pouco cedo para responder a essa pergunta com qualquer grau de certeza. Apesar disso, líderes políticos de todas as partes vêm lançando suas apostas e moldando suas políticas segundo essas apostas. Se reformularmos a pergunta, indagando apenas qual poderá ser a cara do mundo em 2025, por exemplo, talvez possamos ao menos dizer alguma coisa inteligente. Existem basicamente três conjuntos de respostas à pergunta de qual será a cara do mundo em 2025. A primeira é que os EUA vão desfrutar uma última fase de domínio, uma retomada de seu poder, e, na ausência de qualquer adversário militar sério, continuarão a mandar no mundo. A segunda diz que a China tomará o lugar dos EUA como superpotência mundial. A terceira reza que o mundo se tornará uma arena de desordem multipolar anárquica e relativamente imprevisível.
Examinemos a plausibilidade das três previsões. Improvável: Os EUA por cima? Existem três razões para se duvidar disso. A primeira delas, de natureza econômica, é a fragilidade do dólar americano como única moeda forte de reserva na economia mundial. Hoje o dólar é sustentado por infusões maciças de compras de títulos por parte do Japão, da China, Coréia e outros países. É extremamente improvável que isso continue. Quando o dólar tiver uma queda dramática, ele pode provocar um aumento momentâneo na venda de bens manufaturados, mas os EUA vão perder a posição de comando sobre a riqueza mundial e a capacidade de ampliar seu déficit sem sofrer penalidades sérias e imediatas. O padrão de vida americano vai cair, e haverá um influxo de novas moedas fortes de reserva, incluindo o euro e o iene. A segunda razão é militar. Tanto o Afeganistão quanto, em especial, o Iraque vêm demonstrando recentemente que não basta possuir aviões, navios e bombas. Um país precisa também dispor de uma grande força terrestre para superar resistências locais. Os EUA não dispõem de tal força e não vão dispor, por razões políticas internas. Logo, o país está fadado a perder guerras desse tipo. A terceira razão é de natureza política. Países em todo o mundo estão concluindo, pela lógica, que já podem desafiar os Estados Unidos politicamente. Vejamos a instância mais recente disso: a Organização de Cooperação de Xangai, que reúne a Rússia, China e quatro repúblicas centro-asiáticas, está prestes a se ampliar para incluir a Índia, o Paquistão, a Mongólia e o Irã. O Irã foi convidado no exato momento em que os EUA tentam organizar uma campanha mundial contra seu regime. O "Boston Globe" descreveu o que está ocorrendo como "aliança anti-Bush" e "um deslocamento tectônico em termos geopolíticos".
Será, então, que a China vai emergir no topo até 2025? É verdade que a China vem se saindo muito bem economicamente, vem ampliando consideravelmente sua força militar e está até mesmo começando a exercer um papel político sério em regiões distantes de suas fronteiras. Não há dúvida de que a China estará muito mais forte em 2025 do que está hoje -mas o país enfrenta três problemas que terá que superar. O primeiro problema é interno. A China não está politicamente estabilizada. A estrutura unipartidária tem a força do sucesso econômico e do sentimento nacionalista a seu favor. Mas ela enfrenta a insatisfação de cerca de metade da população, que não conseguiu subir no bonde econômico, e a insatisfação da outra metade diante das restrições impostas a sua liberdade política interna. O segundo problema da China diz respeito à economia mundial. O crescimento incrível do consumo na China (lado a lado com o da Índia) vai cobrar seu preço tanto do meio ambiente mundial quanto das possibilidades de acúmulo de capital. Um excesso de consumidores e de produtores terá repercussões graves sobre os níveis de lucro mundiais. UniãoO terceiro problema está nos países vizinhos da China. Se a China levasse a cabo a reintegração de Taiwan, ajudasse a promover a reunificação das duas Coréias e chegasse (psicológico e politicamente) a um acordo com o Japão, poderia surgir uma estrutura geopolítica unificada asiática que seria capaz de assumir uma posição hegemônica no mundo. Esses três problemas podem ser superados, mas não será fácil. E as chances de que a China consiga superar essas dificuldades até 2025 são incertas.
O último cenário é o da anarquia multipolar e das flutuações econômicas imprevisíveis. Em vista da incapacidade de se conservar em poder hegemônico antigo, da dificuldade em se estabelecer um novo e da crise no acúmulo mundial de capital, esse terceiro cenário parece ser o mais provável."
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IMMANUEL WALLERSTEIN, pesquisador sênior na Universidade Yale, é autor de "O Declínio do Poder Americano" (Ed. Contraponto).
Tradução de CLARA ALLAIN