25 julho 2006

Por que o Líbano?

Estandarte da tolerância religiosa, Beirute renascia de uma guerra interminável e irradiava auto-estima para o país

ALFREDO COTAIT NETO

Há pouco mais de um mês estávamos no Líbano. Mais um grupo de brasileiros usufruía maravilhado do melhor que a terra tem a oferecer: hospitalidade sem igual, delícias culinárias, luxuosa e animada vida social, belezas naturais, riqueza arqueológica. Na bagagem de volta, uma verdadeira lição de vida. Uma década antes, e lá não havia pedra sobre pedra. O país saía de uma interminável guerra dos outros empreendida em seu próprio quintal. Porém, das ruínas a cidade pouco a pouco renascia. Do centro recuperado de Beirute irradiava-se a reconstrução de todo o país e de sua auto-estima. Seu primeiro-ministro empreendedor personificava a monumental iniciativa. Rafik Hariri entrou para a posteridade como grande realizador, estadista, filantropo. Para isso, saiu da vida. Outra vez por obra de interesses alheios. Os primeiros dias do verão libanês traziam bons presságios neste ano. Esperava-se nada menos que 1,6 milhão de turistas que lotariam hotéis, cafés e restaurantes, caminhariam em absoluta segurança dia ou noite pelos calçadões do Solidere. Anunciava-se um grande espetáculo da lendária Feyrouz em comemoração ao cinqüentenário do não menos emblemático Festival de Baalbeck. Não haveria de ser. Único Estado laico do Oriente Médio, o Líbano é, por definição, estandarte do convívio harmonioso de diferentes confissões, das dezenas que lá existem. Eis um lugar em que intolerância religiosa não passa de falácia, mesmo assim caluniosamente apontada como gênese de todos os males. Difícil imaginar a placidez das encostas do Monte Líbano perturbada por explosões, pelo zunir dos artefatos de morte. Num passe maquiavélico, lá se foram as tardes interminavelmente bucólicas dos pastores e seus rebanhos. Lá se foram as reuniões na varanda da casa de pedra, em pleno vale do Bekaa, onde vivem cerca de 70 mil brasileiros. Lá se foi o agito cosmopolita e sofisticado da capital. Lá se foram os turistas. Lá se foi o verão. Muitos verões, talvez. Expoente acadêmico do Oriente, o Líbano é bastião da francofonia pós-imperial. O amor pela França só encontra rival no Brasil que ajudou a construir. E assim torceu por nós e contra seu histórico protetor na final da Copa de 98, fato repetido há poucas semanas. Num passe apocalíptico, as cores brasileiras que até há pouco decoravam incontáveis casas e prédios desse pitoresco país-fazenda hoje não passam de fragmentos chamuscados e perdidos nos escombros do que um dia foram vidas e sonhos. Invasões, incêndios, terremotos. Beirute foi destruída e reconstruída à média de uma vez por século. Um pingado de anos desta vez. Como atravessar de novo os espinhos dessa estrada? Embora a autodeterminação do povo seja férrea e dispense novas comprovações, a conta será enorme. O caminho promete ser árduo e longo. Mal alçávamos vôo. Em cinco anos de trabalho, a Câmara de Comércio Brasil-Líbano testemunhou a gradual retomada do País dos Cedros, desde as cinzas, de volta à Suíça do Oriente de outrora. Na última visita, em maio, os resultados não deixaram dúvidas. Milhões em negócios compromissados, outras tantas perspectivas e mais brasileiros encantados com o lugar. Jamais imaginaríamos o que estava por vir. Do outro lado do mundo sem fronteiras, longe só estão as respostas às perguntas que nos tiram o sono. A tragédia é tão deles quanto nossa, do mundo inteiro. Tudo o que sabemos é a necessidade de encher os pulmões, fazer algo. É preciso fazer com que cessem imediatamente os ataques ao Líbano. Urge prestar assistência humanitária e impedir uma calamidade ainda maior. Alguém enfim haverá de ouvir, largar a mera retórica e partir misericordiosamente em socorro desse pequenino país que, de tão belo e intenso, João Paulo II um dia batizou como "país-mensagem". Ironia das ironias, é nos consolados que encontramos nós próprios consolo. Em meio ao caos, a população do Líbano ainda encontra forças para confortar o primo distante ao dizer: "reconstruiremos tudo outra vez".

....................
ALFREDO COTAIT NETO , 59, empresário, é presidente da Câmara de Comércio Brasil-Líbano e vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).