19 outubro 2005

O réu Saddam Hussein

Editorial da Folha de S. Paulo de hoje:
"O ex-ditador do Iraque, Saddam Hussein, começa a ser julgado hoje. Os crimes perpetrados por ele enquanto esteve no poder não foram poucos nem pequenos. A organização de direitos humanos Human Rights Watch calcula em 290 mil o número de iraquianos assassinados sob seu governo. Não estão aí incluídas as centenas de milhares que morreram em conseqüência das guerras iniciadas pelo ex-ditador.
A condenação de Saddam é uma certeza. Ele até pode não ser o responsável por todos os delitos de que será acusado, mas não há nenhuma dúvida de que é o mandante de inúmeros crimes capitais. O juízo que começa hoje é o relativo à execução de mais de 140 homens e meninos na cidade xiita de Dujail, em 1982, depois que a polícia secreta iraquiana desbaratou uma tentativa de assassinar o então ditador do país.
Há quem acredite que, se Saddam for julgado e condenado por esse crime, poderá ser executado antes de responder a acusações mais graves, que poderiam criar embaraços para as potências ocidentais que apoiavam o ditador enquanto ele fazia a guerra contra o Irã do aiatolá Khomeini, visto como "ameaça maior".
São vários os indícios de que Saddam não terá um julgamento tão justo como deveria. Para começar, seus juízes e acusadores foram também suas vítimas, o que os torna pouco isentos. Algumas medidas foram tomadas de forma açodada e acabam por limitar o direito de defesa do acusado. Um exemplo: num sinal de transparência, o juízo será transmitido pela TV, mas, para garantir que Saddam não diga nada muito incômodo, haverá um intervalo de 20 minutos entre os depoimentos e a sua transmissão. Qualquer indiscrição poderá ser censurada.
Não há dúvida de que teria sido melhor reservar ao ex-ditador um juízo mais isento sob os auspícios da ONU. Mas o fato de Saddam ser enfim julgado por seus crimes é um dos poucos efeitos colaterais positivos da invasão do Iraque pelos EUA."