28 setembro 2005

Jovens do Irã preferem Axl Rose a Khomeini

Este artigo foi publicado em 1995, por Geraldine Brooks, no jornal O Estado de São Paulo. Dez anos depois, é de se supor que as obrigações burladas por jovens só tenha aumentado. Interessante para refletir sobre a possível ocidentalização que estes anseios podem vir a promover no Irã.

"Numa casa de tijolos quadrada no norte de Teerã, Youssef Sayed acorda com o som das preces matinais de seu pai: 'Louvado seja Alá, senhor da criação, cheio de compaixão, de mercês...'. Youssef rola para fora da cama e geme. Na luz pálida da aurora, um rosto sério e sombrio olha para ele da parede do quarto. É um pôster de Axl Rose.
Youssef completou 16 anos este ano [1995] e o mesmo aconteceu com a revolução islâmica do Irã. Vestindo-se para ir à escola, Youssef escolhe um jeans e depois uma calça bem larga do pai. Sua escola proíbe o uso de jeans por considerá-los excessivamente ocidentais. Mas Youssef os usa mesmo assim, debaixo da calça do pai. Jeans, só na volta para casa, para impressionar melhor as garotas que encontrar no caminho.
No andar de baixo, a irmã mais nova de Youssef, Laila, se esforça para esconder os longos cabelos casatanhos num maghmeaeg preto - um xale semelhante ao de uma freira, cujo efeito não chega a prejudicar a beleza de sua pele sedosa. Sobre a túnica exigida pelo islamismo, ela joga uma jaqueta militar americana. Tanto ela quanto o irmão usam sapatos pretos sem logotipos, que os identificam como fãs do heavy metal. Os fãs do rap preferem marcas famosas, como Nike ou Adidas.
(...) Tal como Youssef, metade dos 62 milhões de iranianos nasceu depois que o aiatolá Khomeini voltou do exílio em 1979. Principalmente nos ricos subúrbios do norte de Teerã, mas também nas favelas e nas comunidades rurais, esses filhos da revolução mostram ser impressionantemente resistentes aos valores revolucionários. E dia após dia, tal como um tapete persa sobre o qual incide a forte luz do sol, seu fervor pelo Estado islâmico desbota cada vez mais.
Durante a metade de suas vidas, o país esteve envolvido numa ruinosa guerra com o Iraque. A guerra custou cerca de meio milhão de vidas e empobreceu o Irã, deixando adolescentes como Youssef com a obrigação de freqüentar salas de aulas abarrotadas com 50 ou mais alunos, funcionando em três períodos diários. Quando se formarem, eles enfrentarão um índice de desemprego que, na sua faixa etária, beira os 30%. Enquanto isso não acontece, suas energias juvenis têm poucas válvulas de escape legais numa cultura religiosa xiita, cujo calendário é dominado por comemorações de martírio e rituais de luto.
O resultado é uma geração cínica, por vezes silenciosamente subversiva, propensa a mentir em público enquanto abraça em particular os emblemas culturais do oficialmente odiado e desprezado Ocidente".