16 agosto 2005

"Nós" e "eles"....

Pra mudar um pouco o noticiário político, que tem tomado muito de nossa atenção, resolvi escrever sobre um assunto que já era merecedor de um comentário há algum tempo. De fato, eu já havia percebido, mas foi um e-mail de uma amiga que mora em Londres que me levou a refletir com mais intensidade.
Falo do assassinato do brasileiro Jean, em Londres, confundido com um terrorista e morto pela polícia londrina. No e-mail, ela já conclui, acertadamente: "Provavelmente a midia brasileira deve estar documentando com um sensacionalismo exagerado o que aconteceu com o brasileiro aqui em Londres". Pois é, nada como amigos inteligentes. De fato, desde a primeira notícia - e seu sensacionalismo - eu já tinha ficado com essa impressão. Algumas dúvidas iniciais me vieram. Primeiro, o fato de que a imprensa brasileira não confere tal caráter aos milhares de assassinatos cometidos aqui mesmo, no Brasil. De onde concluí: brasileiro matar brasileiro pode, mas se outro o fizer... aí a gente esperneia!
Quero deixar claro que não justifico o assassinato; ele não é justificável. Como também não o é a escandalosa e histérica cobertura que nossa imprensa realizou. E o enterro, na cidade do rapaz assassinado? Gente, teve ares de funeral de celebridade, ex-presidente, ídolos... Vocês viram a quantidade de gente que foi? Por favor, isso é um claro exagero.
Mas falando do assassinato em si, retratado por aqui como um absurdo cometido pela polícia inglesa: antes de tudo, é mister levar-se em conta que a situação na qual ele ocorreu não é uma situação de normalidade. É imprescindível se considerar que os ingleses estavam - e provavelmente ainda estão - sob os efeitos do choque dos atentados ocorridos havia poucos dias. Ou seja, não se vivia uma situação normal, rotineira.
Dado essa colocação inicial, a atitude do brasileiro não foi outra que não a atitude de um verdadeiro terrorista (com a triste, ou feliz, constatação um tanto tardia de que não o era). Vejamos: ele vestia um casacão, em pleno verão europeu. Se, em uma sociedade marcada pelo medo do terror recente, isso não é motivo claro para desconfiança, então não sei o que seria... Bom, mas isso só não seria suficiente. Pois não é que ele, ao ouvir ordem policial para parar, sai em disparada?! Ainda acham que não é motivo pra desconfiança séria? Em um lugar que havia sofrido um atendado terrorista não fazia nem uma semana? Bom, não contente, pra onde ele corre? Pra dentro do metrô (!!!), justamente onde havia ocorrido os atentados!! Pelo amor de Deus, qualquer ser humano munido de mais de uma dúzia de neurônios, e nas condições em questão, teria a mais plena certeza de que se tratava de um terrorista!
Bem, e o que fez a polícia londrina? Atirou para matar. E aí a imprensa brasileira fez mídia em cima do fato de terem sido tiros na cabeça. Pois bem, onde então queriam que um muito suposto terrorista - diria evidente, dadas suas atitudes - sofresse um tiro? No peito, local onde a bomba provavelmente estaria? Então melhor deixá-lo detoná-la sem atrapalhá-lo.... Na perna, dando mais do que tempo e condições para que ele mesmo acionasse a bomba? Não, pessoal, infelizmente só há um lugar pra se atirar em um terrorista, evitando o ataque, e esse lugar é na cabeça.
Infelizmente, estava tudo errado. Ele não era terrorista, não portava bomba nenhuma, e só fugiu porque tinha o visto vencido... Mas que agiu da forma exata, tal qual um terrorista, isso não tenho dúvida. É uma pena que tenhamos perdido a chance de analisar esta fatalidade por um ponto de vista mais inteligente, optando, ao invés disso, pelo tom histriônico e, desculpe, subdesenvolvido que sempre utilizamos ao retratarmos os assuntos quando "nós" somos prejudicados por "eles"...