02 agosto 2005

Adeus às armas

Editorial da Folha de São Paulo de hoje:

A MUDANÇA DO IRA

"A decisão do IRA (Exército Republicano Irlandês) de depor armas colocando fim a 35 anos de atividades terroristas, num conflito que remonta ao século 17, prova que é possível encontrar soluções políticas mesmo para embates cujas origens se perdem no tempo e que encerram componentes religiosos. O IRA, católico, lutava contra a presença britânica na Irlanda do Norte, da qual 60% são protestantes e não querem que o país deixe de fazer parte do Reino Unido. Em sua campanha pela unificação da Irlanda do Norte com a República da Irlanda (país independente, de maioria católica), o IRA assassinou cerca de 1.800 pessoas em diversos ataques.A renúncia às armas, que ainda precisa ser seguida de gestos concretos, se inscreve num processo político que teve início nos anos 90, mas que experimentou várias idas e vindas. Entre os fatores que parecem ter contribuído para a solução destacam-se, além da disposição de todas as partes para negociar seriamente, a consolidação da democracia na Irlanda no âmbito da União Européia e sua pujança econômica. Com efeito, os irlandeses da República, que antes davam apoio moral e financeiro ao IRA, deixaram de fazê-lo e, em muitos casos, passaram a contestar os meios utilizados pela organização. O prestígio do IRA também vinha sofrendo abalos entre seus simpatizantes mais ferrenhos, pois havia claros indícios de que o grupo estava, a exemplo de organizações políticas da América Latina, se desviando para o banditismo comum. Por fim, parece correto afirmar que, em algum sentido, o velho terrorismo ocidental foi desbancado pelo novo terrorismo "jihadista" da rede Al Qaeda. Na velha forma, as ações eram pautas por uma lógica política, totalmente distorcida, mas ainda assim lógica. Na nova modalidade, a meta política - refundar o Califado - mal se distingue de aspirações teológicas. É como se o terrorismo se tivesse tornado um fim em si mesmo. O próprio terrorista se sacrifica como homem-bomba. As ações visam a ser o mais espetaculares - leia-se mortíferas - possível. Nem os radicais do IRA querem correr o risco de ser confundidos com essa gente."
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P.S. O momento histórico, com a deposição das armas do IRA, vem ao encontro do título deste blog (seria profecia?), "emprestado" da grande obra de Ernest Hemingway; também o texto de abertura deste site é extraído da obra de Hemingway (Adeus às armas).
P.S.2. O assunto do presente post foi sugestão do grande amigo e intelectual Victor Knewitz, uma daquelas pessoas com as quais dá gosto conversar sobre tudo!