27 junho 2005

A Queda: os últimos dias de Hitler

Fui assistir, tardiamente, ao filme A Queda. Confesso que saí do cinema mais uma vez desiludido com o nível de respeito que ultimamente a gente tem tido com o próprio cérebro! Eu li em diversos meios que o filme tinha sido criticado por apresentar um Hitler com sentimentos, por tentar humanizar a personagem. Imaginei então, erroneamente, que o filme mostraria um Hitler totalmente diferente do que eu pensava.
Ora, o filme mostra um Hitler dentro da mais perfeita "normalidade": uma pessoa que gosta de crianças, tem sua namorada, fica nervoso, tem medo, raiva, enfim, tudo que um ser humano tem. E então me dei conta: as pessoas querem retratar um Hitler animalesco, quase um monstro, cachorro, extraterrestre, sei lá, algo que seja tudo, menos humano... Ora, gente, querer retratar tal personagem sem sentimentos é desconsiderar que ele comandou todas as barbaridades que comandou justamente por ter sentimentos!!! Foi justamente por ter vergonha, humilhação, tristeza, raiva e vingança que ele promoveu tais barbarismos! A Alemanha da Primeira Guerra é humilhada pelos países vencedores, no que Churchill mesmo afirma: "Os crimes dos vencidos encontram seus antecedentes - embora não seu perdão, é claro - na insensatez dos vencedores. Sem essa insensatez, não teria havido tentação nem oportunidade para o crime" *.
Hitler, ainda, acreditava que os judeus haviam traído o povo alemão na Primeira Guerra, contribuindo assim para sua derrota. É de uma junção de sentimentos, fortes sentimentos, com uma interpretação um tanto distorcida de alguns fatos (vale lembrar que à época Spengler escrevia "A decadência do Ocidente", livro que inspira e no qual Hitler se apóia, ou seja, até alguns autores contribuíam para esse sentimento) que Hitler vai promover o maior massacre do qual se tem notícia. Contudo, se ele não tivesse sentimentos, como muitos advogam, certamente não teria agido desta maneira.
O que ocorre é que chegamos a um nível tão baixo de desenvolvimento intelectual, de um comodismo mental assombroso, que temos a impressão de que, se o cinema nos mostrar um Hitler humano e com sentimentos, logo logo veremos hordas de pessoas a admirá-lo e venerá-lo, quiçá até mesmo seguir sua ideologia.
Partimos do triste princípio de que os fatos têm de nos ser passados mastigados, quase digeridos, pois senão nosso microcéfalo não terá capacidade de perceber e julgar adequadamente. Aliás, não admitimos isso abertamente; mas dizemos: "Eu não, que eu sei julgar. O problema são os outros, que podem entender errado". Sei... É o nível a que chegamos...
______________
*CHURCHILL, Winston. Memórias da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 13.